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A Poesia Desconhecida

A Poesia Desconhecida

18
Dez23

CÃES DE CAÇA

Talis Andrade

 

20 de março Iara Iavelberg fonte site doc revelados foto 2

 

                       No embalo

                       de ser jovem

                       Yara Iavelberg

                       com um revólver

                       sem bala

                       foi à procura                      

                       do Capitão

                      

                       Nos abrigos

                       que encontrava refúgio

                       o Capitão

                       havia se mudado              

                       de véspera

 

                       Encantada pelos sonhos

                       Yara não tinha malícia

                       e na busca do amante

                      não media

                      o poder da polícia

 

                      Escrevia cartas

                      vagou por cidades

                      e aldeias

                      esperando um encontro

                      de amor

 

                      Yara não sabia

                      a polícia tem espias

                      cães adestrados

                      cães fareja              

                      dores dos odores

                      da primeira menstruação

                      e do primeiro orgasmo

 

                      Os espias

                      cães de caça

                      treinados danados 

                      cães com raiva                 

                      nunca perdem um inimigo 

 

                       Encantada pelos sonhos

                       Yara apenas possuía

                       um revólver sem bala

                       um coração de menina

                       apaixonada pelo Homem  

 

- - -

livro o enforcado da rainha   

imagem cartaz do regime militar de 1964 [Iara é a primeira da direita para esquerda]

30
Ago23

Ditadura brasileira: procura-se justiça histórica. O caso Eloá Guimarães

Talis Andrade

 

Urariano Mota entrevista Elizabeth Guimarães (segunda parte)

 

Você quer uma reparação histórica da violência que ela sofreu.

Elizabeth – E da família. Ficamos todos presos e desmantelados. Minha mãe se dedicou o resto da vida dela, tias, irmãos, todos. E agora eu também vejo que o trauma sofrido por ela se transformou em diagnóstico de doença mental. E tem influência até hoje nos meus sobrinhos, na quarta geração, porque eles fazem perguntas, e cada um tem uma história, um pedaço, um pedacinho de história. Então isso precisa reintegrar a família, a história, para que esse trauma não seja modificado em outras oportunidades.

 

O que você quer a partir do levantamento desses fatos, dessa tragédia realmente, é uma justiça histórica.

Elizabeth – Exato. O reconhecimento do que ela foi vítima. Uma jovem daquela época. O pânico daqueles anos é inesquecível. Depois da prisão, quando minha irmã estava com o passaporte, se preparando para ir ao Canadá, entrou em crise.

 

Que tipo de crise?

Elizabeth – Quando ela chegou no Rio de Janeiro, ela ficou escondida. Em casas de parentes e parentes. Por quê? Ela não sabia, não sabíamos se alguma polícia vinha atrás dela, depois da prisão.

 

Elizabeth – Logo depois da prisão. Não conseguia dormir. Nunca mais recuperou o equilíbrio. Ela tentou suicídio várias vezes. Cortava os braços. Não sabemos se ela chegou a ser estuprada na prisão, porque tem uma parte do trauma que vira amnésia. Mesmo as descrições do pântano não eram completas.

 

Então a violência é mais grave. Não é só o que fizeram com ela na prisão. Destruíram para sempre a vida dela.

Elizabeth – Claro. Nunca mais voltou a ser a mesma. Houve época em que voltava um surto de “normalidade”. Olha aqui as fotos, tinha períodos “bons”, olha aqui um sorriso lindo, aberto, no princípio, depois ela foi ficando assim, e morreu do coração. Ela faleceu em 2001.

 

Arrastando um desequilíbrio mental de 1969 a 2001.

Elizabeth – Nas fotos, você vê uma doente mental, feliz, enganosamente feliz. Tomando remédio pesado.

Versos de um poema de Eloá Guimarães:

“A cada ponto que eu dava, na paciente arte de bordar
meu coração e minha mente, numa viagem de regressão
buscavam tecendo a lã, uma infinita reorganização de ideias, sentimentos,
migalhas perdidas no passado,
o retorno de uma consciência mais clara,
uma alma mais clara”.

10
Dez17

Napoleão Bonaparte. A Proclamação (Ato 1)

Talis Andrade

auto coroação de napoleão.jpg

 

 

A ninguém devo       

   o cetro de imperador

General do povo       

   me coroei com as próprias mãos

Os fiéis soldados       

   me consideram irmão

Os humildes e miseráveis       

    me chamam de pai

Tenho a ovação       

    das multidões 

 

 

---

Ilustração: Coroação de Napoleão Bonaparte (detalhe),

por Jacques-Louis David

14
Set17

O VENTO É SEMPRE ÁSPERO, por Adriano Marcena

Talis Andrade

adriano-marcena.jpg

 Adriano Marcena

 

Talis Andrade é amigo das palavras, primo da aliteração, sobrinho da alegoria, cunhado da versificação. Poeta-ser é conceber o desabafo da carne, músculos e entranhas. Talis não é inofensivo e sua receita po-ética não aceita adoçante, quando mais açúcar! É um poeta movido pela aspereza do diabetes simbólico recriando seu interior de homem-solitário escaldado pela vida boêmia literária. Fácil é perceber a fisgada certeira com que ele consegue apreender o fígado da poesia, o baço da palavra, a cefaléia da pontuação. Talis também é meio grego, não grego-romano, mas grego-pernambucano, pois ali está o cheiro dos trópicos apri- sionados ou escaneados no papel inofensivo. Todo poeta é covarde pelo simples fato de oprimir as folhas em branco diante de si. Entre a dor e o poeta reside a poesia, entre Talis e a vida existe o amor por uma leveza que se aprisiona ao vento, cortando as amantes, serrando os ouvidos, sufocando as virilhas, apalpando os desejos, esses crudelíssimos desejos, perdidos em monólogos madrugais. Entre o poeta e a dor o vento sopra como se pusesse os nervos para bailarem suavemente: o poeta é um nervo que não suporta nem o prenúncio do vento. “A flor do sexo/ a lascívia/ a amante entrando quarto a dentro dos antigos olhos/ a faca fria/ a bala quente/ a ronda dos ricos/ a mulher que tropeça pela casa/ os gritos que não nos deixam em paz/ a profana recordação/ o enforcado da rainha preso à teia da ilusão…” Talis quebra tabus grudados em poetas. De sua pena contemporânea desnuda-se, diante de nossas retinas, o próprio enforcado: suas artérias expostas à brisa consoladora, suas vísceras se decompõem, se reciclam em água humana, mas por trás do enforcado resiste e triunfa o poeta vivo, o poeta nu, o poeta do pó das letras, o poeta da dor sincera que finge existir, o poeta tentando encontrar o tinteiro e o mata-borrão para se defender, atemorizado, da leveza delicada da filha mais jovem do vento que lhe excita em pleno sol do meio-dia. Todo grande poeta tem medo do vento. Talis, é bom saber que você só está enforcado no livro. Sobre algum mangue soterrado, parabenizo pelo livro, poeta!

 

capa_o_enforcado_da_rainha.jpg

 

 

 

 

 

26
Jun17

LUNAS DE JULIETA VIÑAS ARJONA

Talis Andrade

Julieta Viñas Arjona4.jpg

Quando se foi o sol

Julieta no balcão

se fez poesia

esperando o rouxinol

 

As mãos de Julieta deslizam

pelas cordas de uma harpa

os dedos dando voltas

pela lua de Lorca

 

Seus dedos vão dando voltas

na lua de inúmeras faces

Seus dedos vão dando voltas

na luna violácea

donde unos poetas

beben cazalla

y otros traman

nuevos despropósitos

 

Julieta no balcão

se fez música

amanhecia o dia

nem percebeu

a companhia

de uma cotovia

 

 

---

Ilustração: Foto de Julieta Viñas Arjona

 

 

 

26
Jun17

INVOCAÇÃO DO NOME

Talis Andrade

Líria Porto.jpg

 

Quantas coroas de lírio

quantos mares

quantos naufrágios

para quem só tem olhos

para o imaginário

 

Quantos mares de travessia

Líria viu

Quantas sereias 

Líria ouviu o canto

delírio dos marinheiros

passageiros da nau dos loucos

que só a poesia oferece Porto

 

 

----

Ilustração: Foto de Líria Porto

28
Mar17

REBIS

Talis Andrade

 

rebis .jpg

 

 

 

 

Caminho curvado

como um condenado

como se fosse

proibido viver

o milagre da vida

em sua plenitude

 

como se apenas

fosse permitido

um escasso amor

um escasso sexo

como se estivesse

obrigado a andejar

apenas metade

de um caminho  

 

Caminho curvado

como um condenado

o coração vazio

o vazio de me sentir

incompleto

como se faltasse

um lado do corpo  

 

Caminho curvado

eu e uma societária

dor fantasma

dor descontinuada

alucinatória percepção

de uma parte amputada

como punição divina  

 

2  

 

Homem ou fêmea

o que fazer do corpo

quando se sente o corpo

como um peso morto  

 

Homem ou fêmea

daimon demônio

o oposto posto

como continuação

do contrário

 

3

 

O que fazer do corpo

que se torce retorce

nos estertores da morte

os tremores idênticos

aos do orgasmo  

 

Homem ou fêmea

o que fazer do corpo

quando me sinto

dividido em dois

 

um lado vivo

um lado morto  

 

4  

 

O que fazer do corpo

quando se tem

uma parte doente

 

sofrida parte

limitada a todo

o lado esquerdo

como se um raio

lançado por Zeus

tivesse me partido

ao meio

 

como se um raio invisível

tivesse me dividido

uma metade podre

uma metade sensível  

 

O que fazer

da parte cortada

apartada parte

jogada fora

 

parte contrária

feminina parte

perdida parte

carne carniça

sanguento pasto

para os urubus

 

fremente parte

parte partida

que se estorce

 

 

cortado rabo

o rabo largado

o rabo tremente

de uma lagartixa

que se debate

no asfalto quente 
 
 
 
 
 


 

 

22
Mar17

LEITURA

Talis Andrade

homem flor poesia.jpg

Se um poema não te exalta

não faz pensar             

não faz sofrer

não é Poesia             

 

Se um poema não te mata             

não te ressuscita             

não te transfigura    

não é Poesia               

 

Um poema clama pelo teu sêmen

sangue e lágrimas             

Um poema desnuda o corpo             

um poema desvela a alma 
 


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