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A Poesia Desconhecida

A Poesia Desconhecida

11
Nov23

SOMOS TODOS IMORTAIS  

Talis Andrade
 
Aviões de guerra bombardearam hoje uma universidade islâmica na Faixa de Gaza (MAHMUD HAMS / AFP)
 

 

Os filhos dos homens

vivem como se fossem

imorredouros

Os corpos permanecessem

inalteravelmente jovens

A morte só acontecesse

com os outros

 

Em tempos de guerra

em tempos de peste

por instantes de susto 

a morte inquieta

O medo aparece

ante os mortos insepultos

Um medo que perdura

enquanto dura o luto 

- - -

Livro inédito O Judeu Errante

Poesia de Talis Andrade

Foto Mahmud Hams/ AFP Aviões de guerra bombardearam hoje uma universidade islâmica na Faixa de Gaza 

28
Mai22

A CONDENAÇÃO

Talis Andrade

As fardas enlameadas

estandartes no chão

os carrascos ouvirão

da boca dos profetas

a cruel estatística

do morticínio de civis

 

9,5 milhões de russos

6 milhões de judeus

3 milhões de alemães

3 milhões de poloneses     

2,2 milhões de chineses

l,6 milhões de iugoslavos

1,5 milhões de japoneses

e 330 mil franceses

 

Para os cães e abutres

que governam o mundo

esquecidos números

 

Martírio que se nutre com flores

Guirlanda de flores no túmulo

do soldado desconhecido

 

 

- - -

O Juízo Final. A Condenação

Ilustração Y. Platonov. Anônimos

11
Mai18

Napoleão Bonaparte. A marcha fúnebre (ato 8)

Talis Andrade

A-Retirada-de-Napoleão-de-Moscou_Adolph-Northen-c

 

 

No cruel desterro

destes mares

a carne dilacerada 

as feridas sangrando

revejo os cadáveres 

que alicerçaram

minha passagem

 

Meu espectro passeia

por fileiras e fileiras

de corpos enterrados

nas encruzilhadas

de corpos abandonados

nos campos nevados

 

Na lenta agonia

da cruentação

revejo os corpos

dos meus soldados

 

A carne podre

estrume

adubo da terra

outros soldados

repisarão

 

Funéreo destino

dos exércitos

marcharem

sobre pilhas

de cadáveres

 

 

 

 

 

 ---

A Retirada de Napoleão de Moscou por

Adolph Northen, 1860

11
Mai18

Napoleão Bonaparte. A expiação (ato 6)

Talis Andrade

Horace-Vernet-Napoleon-s-Tomb.jpg

 

 

Neste ermo

último desterro

o forte ensurdecedor

furor das ondas

reverbera nas negras rochas

abafando-me os queixumes

 

No encerro 

destes mares

não há ritual

nem corte

além da morte

 

A rotina cheira

a urina e estrume

da morte os odores

das flores roxas

 

Nenhum disfarce

nos esconde a face

Ninguém perdoa

os perdedores

 

 

 

 

---

"Túmulo de Napoleon", por
Emile Jean Horace Vernet - óleo sobre tela - 54 x 81 cm - 1821 - (The Wallace Collection (London, United Kingdom))

29
Ago17

SEM TETO

Talis Andrade

banks_hit__e_l_e_n_a_ospina..jpeg

 

Quem reside em casa alugada

precisa manter os pertences embalados

roupas livros

discos filmes

coisas sem valia comercial

que se leva de moradia em moradia

uma andança de rua em rua

sem dia marcado

sem lugar predileto

sem cadeira de balanço

para o descanso

que se alcança

na hora final

 

Para a última mudança

o último chão

também precisa manter

o corpo embalado

para ser colocado

em um caixão

 

 

---

Ilustração: Despejo, por Elena Ospina

 

29
Ago17

CEMITÉRIO DE ELEFANTES

Talis Andrade

cemiterio-de-elefantes.jpg

 

 

Não tenho mais volta

que esqueci os caminhos

De que adianta um mapa

das ilhas bem-aventuradas

se tudo está mudado

 

Seguir em frente

nada é como antes

Seguir em frente

não há revolta

nem meia-volta

Seguir em frente

por caminhos diferentes

por mares nunca dantes

navegados

Seguir em frente

sem desamor

nem desfeita

das coisas feitas

nem amargor

do desencantado

Seguir em frente

pelo gosto

do nunca visto

vale mais que

o dessabor

de um café requentado

 

Morrer por morrer

prefiro a incerteza

da louca visão

de distante oásis

o verdejante oásis

da fonte cantante

que o monótono

descanso

em um cemitério

de elefantes

 

 

---

Ilustração: Cemitério de Elefantes Domésticos, por Luiz Alberto Borges da Cruz

 

13
Jun17

O VERMELHO E O CINZA

Talis Andrade

Carl Heinrich Bloch   The Raising of Lazarus.jpg

 

--

Por longínquo caminho

no silêncio do túmulo            

o que Lázaro viu             

as marcas da cruentação

ou do vermelho enxofre             

no branco linho             

a enfaixar o corpo

 

O que Lázaro viu             

o fúnebre cortejo             

de uma procissão            

de esqueletos             

em dia de finados

O que Lázaro viu             

no infinito campo

embaçadas figuras

como acontece             

ao irmão boi             

resignado à sina             

de pastagens             

em tons cinzas

 

Contenta a Lázaro             

nesta segunda passagem             

tudo recomece             

donde o fio             

da vida se partiu             

ou apenas tem olhos             

para o imaginário             

o que poderia ter sido             

e não foi A intentada             

excitante aventura             

por lendárias terras             

visagem de um mundo             

paradisíaco inatingível               

 

No silêncio do túmulo             

preferiria Lázaro             

a viagem sem volta             

por um túnel de luz             

o corpo arrebatado             

sobre as nuvens             

o corpo vestido de vazio             

o corpo livre             

do amargor da carne               

 

Nesta segunda passagem             

que espera Lázaro             

o açoite da nudez             

de João Batista             

a nudez contida             

em uma vestimenta             

de pêlos de camelo             

o cinto de couro             

em volta dos rins             

garroteando os impulsos             

convulsivos repulsivos               

 

Que espera Lázaro             

o dom da palavra

a língua de fogo

coriscando o ar             

como um raio             

a palavra que incendeia

e queima

a palavra que amaldiçoa             

e fere             

mais afiada             

que o gume             

de uma cica             

 

Que espera Lázaro             

a ofuscante nudez de Davi             

a dançar e cantar             

triunfante ao som             

de harpas e cítaras             

de tamboris e trombetas             

de sistros e síbilos             

pelas ruas de Jerusalém             

para ser ungido rei               

 

Simplesmente seguir             

uma nova vida

em vestes magnificentes             

de púrpura e ouro             

gozar os festins             

o vinho do delírio             

o deleite das dançarinas             

na dança pastoril             

a posse febril             

de um corpo de mulher             

o corpo suave promessa             

de orgasmo e paz               

 

Que deseja Lázaro             

se nenhum livro             

nenhuma carta             

nenhum parente             

nenhum amigo             

jamais registrou             

uma palavra sua               

 

De Lázaro apenas             

se sabe vivia             

com duas irmãs             

e depois de quatro             

dias no túmulo             

aparece Jesus e chama             

- Lázaro             

vem para fora               

 

Jesus ordenou             

Lázaro             

fosse libertado             

das faixas             

e retirado o lenço             

que lhe cobria o rosto  

 

Para todo sempre

as marcas da cruentação

do vermelho enxofre             

no branco linho             

a enfaixar o corpo  

 

Lázaro não estava livre

da morte

De Lázaro o milagre             

de uma segunda vida 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

 

---

Ilustração: A Ressureiçõ de Lázaro, por Carl Heinrich Bloch 

02
Jun17

O ESTRANHO SEGREDO

Talis Andrade

fulvio-pennachi-3.jpg

De estranho e raro

viu Lázaro             

na insólita viagem             

pelo vale da morte               

 

O que Lázaro viu             

a ninguém revelou  

 

Os viventes não entendem             

sequer o que se passa             

neste nosso avaro             

temeroso mundo 
 


 

---

Ilustração: A Ressureição de Lázaro, por Fulvio Pennachi

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