CÃES DE CAÇA
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livro o enforcado da rainha
imagem cartaz do regime militar de 1964 [Iara é a primeira da direita para esquerda]
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livro o enforcado da rainha
imagem cartaz do regime militar de 1964 [Iara é a primeira da direita para esquerda]
No cruel desterro
destes mares
a carne dilacerada
as feridas sangrando
revejo os cadáveres
que alicerçaram
minha passagem
Meu espectro passeia
por fileiras e fileiras
de corpos enterrados
nas encruzilhadas
de corpos abandonados
nos campos nevados
Na lenta agonia
da cruentação
revejo os corpos
dos meus soldados
A carne podre
estrume
adubo da terra
outros soldados
repisarão
Funéreo destino
dos exércitos
marcharem
sobre pilhas
de cadáveres
---
A Retirada de Napoleão de Moscou por
Adolph Northen, 1860
A pele num tom preto azul
cor idêntica dos abutres
as garras afiadas
de ave de rapina
os olhos de fogo
a incompassível figura
do alto de um trono invisível
me devora o corpo
flácido e gasto
que a morte
não recusa pasto
---
Napoleon on his Death Bed, 1821 by
Horace Vernet (1826)
Neste ermo
último desterro
o forte ensurdecedor
furor das ondas
reverbera nas negras rochas
abafando-me os queixumes
No encerro
destes mares
não há ritual
nem corte
além da morte
A rotina cheira
a urina e estrume
da morte os odores
das flores roxas
Nenhum disfarce
nos esconde a face
Ninguém perdoa
os perdedores
---
"Túmulo de Napoleon", por
Emile Jean Horace Vernet - óleo sobre tela - 54 x 81 cm - 1821 - (The Wallace Collection (London, United Kingdom))
Os meus exércitos invencíveis
adubam as sementas da terra
As árvores crescerão podres
os frutos nascerão podres
e podre o meu corpo
a cada dia reduzido de tamanho
os testítulos diminuindo
o pênis encolhendo
a urina queimando
como chumbo derretido
em mil bocas de canhões
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"Apoteose de Napoleão I", por
Jean Auguste Dominique Ingres
Os tronos não passam
de meras cadeiras
os assentos forrados de seda
A seda do manto real
o manto que protege e cura
a seda que cobre e desnuda
o corpo das cortesãs
a seda que as traças roem
a seda reveste os esquifes
que apodrecem
na terra úmida
Os tronos um símbolo
Os tronos não passam
de meras cadeiras
de vetusta madeira
recoberta com reluzentes
lâminas de ouro
Um símbolo imposto
que não há poder que perdure
nem a monótona paz
nem a aventura
das ditaduras
---
"Napoleão como júpiter entronizado", por
Jean Auguste Dominique Ingres - óleo sobre tela - 259 x 162 cm - 1806 - (Musée de l'Armée (Paris, France)
Nenhuma bênção divina
nos santos óleos
A verdadeira majestade
nasce legitimada
pela força das armas
Todo poder se assenta
na força dos exércitos
Toda glória emana
do sangue dos savants
que fertiliza
e fermenta a terra
O sangue derramado
nas chacinas
o sangue derramado
na guilhotina
o sangue derramado
nas batalhas
corre pelos rios
os mares
no nosso chão
e terras conquistadas
nos mais distantes
lugares
O sangue dos justos
e dos inocentes
não mancha
a camisa dos príncipes
a bolsa dos mercadores
Não há sequer vestígios
de lama
nas botas dos generais
---
Ilustração: O Triunfo da Guilhotina,
por Nicolas-Antoine Taunay
A ninguém devo
o cetro de imperador
General do povo
me coroei com as próprias mãos
Os fiéis soldados
me consideram irmão
Os humildes e miseráveis
me chamam de pai
Tenho a ovação
das multidões
---
Ilustração: Coroação de Napoleão Bonaparte (detalhe),
por Jacques-Louis David
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