ILUDIÇÃO

O prazer uma ilusão
A ilusão possui moradia
no país dos sonhos
Com suas porteiras
e fronteiras
a busca do prazer
nos desafia
a devanear
pela vida inteira
a devanear
o que não se pode
ter
---
Ilustração: Paraíso, com Adão e Eva, por Chagall
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O prazer uma ilusão
A ilusão possui moradia
no país dos sonhos
Com suas porteiras
e fronteiras
a busca do prazer
nos desafia
a devanear
pela vida inteira
a devanear
o que não se pode
ter
---
Ilustração: Paraíso, com Adão e Eva, por Chagall
CINEMA

Na roda da fortuna
revejo coisas passadas
cenas de um mundo
esquecido mundo
povoado de sombras
Cenas que passam
em preto & branco
a ceifa a peste
o fogo dizimando
as aldeias e a floresta
Índios vestidos
coa a camisa de fantasma
pajés a profetizar
no êxtase das Santidades
a revolução dos Antonios
nos vales do Jaguaripe e Canudos
o florescer da Rosa Mística
na terra livre
da corrupção
Cenas mudas
de negros escravos
zumbis mal-assombros
arrastando correntes
nas escuras senzalas
Cenas de um filme
em preto & branco
de capa e espada
góticos sobrados
estalagens malditas
em que se bebe rum
pelas almas dos capitães
dos navios piratas
Pelas ruas do Recife
revejo frades e padres
conspirando pela liberdade
Frei Caneca caminhando
com o baraço dos enforcados
Frente ao espelho
por trás do espelho
visagens vão passando
Embaçados esboços
máscaras trans
figurados rostos
vão passando
Rostos infantis
envelhecidos pelo tempo
Vagantes almas
misturadas com os viventes
em uma dança de cadáveres
Rastejantes sombras
dos governantes quadrúpedes
que roubam a quadra do tempo
Perdidas almas
dos salteadores de estrada
cobradores de impostos
fiscais de justiça
gerentes de banco
contadores de juros
vão passando
Revejo coisas passadas
coloridas imagens
lindas paisagens
lindas meninas
dançando pastoril
no céu de Olinda
os corpos girando
montados em cavalinhos
cavalinhos de madeira
pintados de encarnado
pintados de azul
em um carrossel
rodando rodando
nas festas de rua
Rostos vão passando
lindas fêmeas com quem fiz sexo
lindas mulheres com quem
não fiz sexo
perturbadores rostos
girando girando
em um carrossel
de um projetor de slides
os rostos das mulheres
para quem mandei rosas
as mulheres para quem escrevi
versos
as mulheres que amei
nos becos e ladeiras
nos festejos dos santos
nas ruas tortas
as mulheres que deixei
em um mundo flutuante
em torno do pelourinho
as mulheres que deixei
na roda dos expostos
nos conventos de Olinda
Cenas que passam
na roda das três fiandeiras
sem mostrarem
o inenarrável começo
o incompreensível fim
---
Ilustração: "Carrossel no Carnaval", por Linda Mears
Maldito bendito corpo
contido em uma cela
estendido em uma cama
embalsamado
em uma redoma de vidro
Contido medido corpo
de atormentado asceta
temeroso do mundo
dos pecados imundos
da indomada carne
Santificado corpo
espostejado corpo
exibido nos açougues
para ser vendido
como lembrança
Santo corpo de Santa
Isabel da Hungria
depois de morto
arrancaram as unhas
cortaram os cabelos
os bicos dos seios
Corpo lavado
rezado e velado
de São Tomás de Aquino
a cabeça decapitada
o corpo esburgado
os ossos polidos
vendidos a varejo
para que as ricas igrejas
príncipes e reis
pagassem o preço
exorbitante preço
por tão raras
caras relíquias
Corpo cozinhado
no vinho no vinagre
e perfumada água
corpo cozinhado
para o ágape
Maldito corpo
bendito corpo
para ser comido
por uma Terra
Sem Mal
no banquete
das Santidades
O corpo comido
no frenesi
dos índios
em transe
Índios escravos
perseguidos
pelo Santo Ofício
e o rei de Portugal


1
Caminho curvado
como um condenado
como se fosse
proibido viver
o milagre da vida
em sua plenitude
como se apenas
fosse permitido
um escasso amor
um escasso sexo
como se estivesse
obrigado a andejar
apenas metade
de um caminho
Caminho curvado
como um condenado
o coração vazio
o vazio de me sentir
incompleto
como se faltasse
um lado do corpo
Caminho curvado
eu e uma societária
dor fantasma
dor descontinuada
alucinatória percepção
de uma parte amputada
como punição divina
2
Homem ou fêmea
o que fazer do corpo
quando se sente o corpo
como um peso morto
Homem ou fêmea
daimon demônio
o oposto posto
como continuação
do contrário
3
O que fazer do corpo
que se torce retorce
nos estertores da morte
os tremores idênticos
aos do orgasmo
Homem ou fêmea
o que fazer do corpo
quando me sinto
dividido em dois
um lado vivo
um lado morto
4
O que fazer do corpo
quando se tem
uma parte doente
sofrida parte
limitada a todo
o lado esquerdo
como se um raio
lançado por Zeus
tivesse me partido
ao meio
como se um raio invisível
tivesse me dividido
uma metade podre
uma metade sensível
O que fazer
da parte cortada
apartada parte
jogada fora
parte contrária
feminina parte
perdida parte
carne carniça
sanguento pasto
para os urubus
fremente parte
parte partida
que se estorce
cortado rabo
o rabo largado
o rabo tremente
de uma lagartixa
que se debate
no asfalto quente

Trago minha alma nua
na cruz da poesia
---
Ilustração: Crucificação Branca, por Marc Chagall

Um poema
mensagem dos anjos
Inspirada revelação
Alma
corpo
sangue
respiração
Flor que se abre
vôo de pássaro
no papel

Um poema prossegue
sua trajetória
mesmo quando o poeta morre
---
Ilustração Nicoletta Ceccoli

Se um poema termina
em um ponto final
letra morta

Se um poema não te exalta
não faz pensar
não faz sofrer
não é Poesia
Se um poema não te mata
não te ressuscita
não te transfigura
não é Poesia
Um poema clama pelo teu sêmen
sangue e lágrimas
Um poema desnuda o corpo
um poema desvela a alma

Nenhuma palavra substitui a vida
o que seria viver
sem a magia da poesia
Das pedras
sem o cantar das águas
dos ventos
sem o farfalhar
das folhagens
O mesmo destino dos pássaros
quando uma pedra fere o vôo
O mesmo destino das flores
quando lhes tiram o perfume
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